O A abordagem à realidade dos casamentos precoces em Portugal deve adotar uma perspetiva intersectorial, multidisciplinar e alargada — é a visão do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida  (CNECV) manifesta no seu contributo para a reflexão pública sobre o tema, que a promulgação da lei não encerrou. Afinal, casamentos precoces informais sempre aconteceram à margem da lei.

Numa tomada de posição que pretende contribuir para o debate social acerca da proibição do casamento de menores de 18 anos em Portugal, o Conselho alerta para a existência de uniões que ocorrem em contextos informais e sublinha a importância de investir no conhecimento do que realmente acontece no terreno, como base para qualquer estratégia eficaz que contrarie os casamentos precoces, regra geral penalizadores para os nubentes, na medida em que compromete o seu futuro aberto, isto é, um futuro traçado por decisões próprias, conscientes, livres e responsáveis.

A articulação entre medidas legais, ações educativas e apoio social surge como eixo central da proposta, com destaque para programas que promovam a autonomia pessoal, o desenvolvimento emocional e a literacia jurídica dos jovens.

Assim, o CNECV recomenda que:

1. se invista na recolha de dados sistemáticos acerca da realização de casamentos precoces em Portugal, que permitam desenhar medidas de intervenção adequadas e eficazes, no sentido da prevenção e da proteção dos jovens em risco;

2. paralelamente à presente alteração legislativa da idade mínima para contrair casamento dos 16 para os 18 anos de idade, se adote uma abordagem multidisciplinar integrada, que combine o quadro legal com programas de educação e de apoio social, nomeadamente:

– ações de sensibilização e de informação acerca dos riscos associados ao casamento precoce, dirigidas e adequadas a jovens e a comunidades com maior risco desta prática;

– programas curriculares específicos de educação para a autonomia e para o desenvolvimento pessoal e social que contribuam para o reforço das competências emocionais, de autonomia nas decisões e da literacia jurídica;

3.complementarmente às medidas legislativas, formativas e sociais:

– se reforce a capacitação, nesta matéria, das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens e também a dos profissionais envolvidos, como forma de garantir que casos de risco sejam devidamente sinalizados;

– se facilite o acesso efetivo a apoio especializado educativo, psicológico e jurídico para vítimas ou jovens em situação de vulnerabilidade.

Com esta reflexão, o Conselho alerta para a necessidade de envolver diferentes sectores e de desenvolver diferentes tipos de intervenção articuladas e convergentes para uma ação sustentável e eficaz, baseada no conhecimento e no respeito pelos direitos fundamentais das crianças e jovens, visando a erradicação dos casamentos precoces.