Associar a instabilidade dos centrómeros, regiões de DNA repetitivo dos cromossomas, como caraterística e/ou causa do envelhecimento e abrir portas a novas terapias para doenças associadas à idade. Este é o objetivo do projeto CenAGE, liderado em Portugal pela investigadora Elsa Logarinho, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), que acaba de ser distinguido pelo Conselho Europeu de Investigação com uma ERC Synergy Grant, no valor de 10 milhões de euros. Trata-se de uma modalidade de financiamento que visa apoiar projetos colaborativos interdisciplinares entre investigadores de excelência, capazes de gerar inovação científica e/ou tecnológica disruptiva.

O CenAGE reúne três investigadores de referência internacional com competências complementares: Nicolas Manel (INSERM, Institut Curie, França), especialista em imunologia e envelhecimento do sistema imunitário; Elsa Logarinho (i3S, Portugal), especialista em modelos de envelhecimento e intervenções geroprotetoras; e Daniele Fachinetti (CNRS, Institut Curie, França), especialista em biologia dos centrómeros. Cada investigador receberá 3,3 milhões de euros para, nos próximos seis anos, estudar os centrómeros e originar uma mudança transformadora na investigação sobre o envelhecimento.

Para a co-investigadora principal Elsa Logarinho, o financiamento atribuído a este projeto representa «o expoente máximo de reconhecimento do potencial científico da equipa para criar conhecimento, abrir paradigmas alternativos e gerar bases conceituais para futuras aplicações na área do envelhecimento».

Além disso, sublinha Elsa Logarinho, este financiamento «premeia a investigação básica de excelência, livre de objetivos aplicados imediatos, e capaz de explorar vias conceptualmente arriscadas». Num projeto colaborativo como o Synergy, adianta Elsa Logarinho, «o encontro entre investigadores com formações, metodologias e perspetivas distintas torna-se catalisador de ideias disruptivas».

«A elevada competitividade que caracteriza os projetos ERC, a exigência científica e o rigor metodológico das avaliações por experts mundiais de distintas áreas científicas, tornam este desfecho altamente gratificante», congratula-se a cientista.

Uma perspetiva inovadora sobre o envelhecimento

O envelhecimento é o principal fator de risco para a maioria das doenças crónicas, embora os mecanismos biológicos subjacentes permaneçam ainda amplamente indefinidos. A instabilidade genómica, explica Elsa Logarinho, «tem vindo a ser reconhecida como uma causa central do envelhecimento, influenciando processos-chave como a senescência celular e a inflamação crónica». E embora a instabilidade dos telómeros (as extremidades dos cromossomas) tenha sido largamente associada ao envelhecimento, permanece ainda desconhecida a contribuição dos centrómeros, regiões vitais dos nossos cromossomas que dados recentes apontam como sendo inerentemente instáveis.

«Aproveitando os mais recentes desenvolvimentos tecnológicos que finalmente permitem a sequenciação destas regiões genómicas desconhecidas de DNA repetitivo, o projeto CenAGE procura oportunamente estudar a instabilidade dos centrómeros como caraterística e/ou causa do envelhecimento», sustenta a investigadora do i3S.

Nos próximos seis anos, concretiza Elsa Logarinho, as equipas deste consórcio vão «caracterizar as alterações genéticas e epigenéticas nos centrómeros associadas ao envelhecimento; examinar o efeito da instabilidade centromérica no envelhecimento funcional e cronológico do sistema imune; e avaliar intervenções geroprotetoras que possam recuperar a estabilidade dos centrómeros e retardar a perda de imunidade, inflamação e envelhecimento sistémico do organismo».

O projeto CenAGE, sublinha, «poderá transformar conceptualmente a biologia do envelhecimento ao revelar os centrómeros como protagonistas da instabilidade genómica e do declínio funcional associado à idade». Ao combinar abordagens moleculares, celulares e fisiológicas, «o nosso objetivo é produzir conhecimento inovador com impacto abrangente, desde a elucidação dos mecanismos fundamentais do envelhecimento até à descoberta de novas estratégias terapêuticas para aumentar a imunidade no idoso e mitigar patologias associadas à idade avançada», sublinha Elsa Logarinho.

Sobre as ERC Synergy Grants

As Bolsas de Sinergia (Synergy Grants, SyG) do Conselho Europeu de Investigação (European Research Council, ERC) são financiadas pelo Programa-Quadro Horizonte Europa da União Europeia para Investigação e Inovação. Estas bolsas visam capacitar investigadores individuais, oferecendo estímulo à sua criatividade, sendo o único critério de avaliação a excelência científica.

O objetivo destas bolsas é apoiar um grupo de dois a quatro investigadores com expertise complementar para abordar questões científicas complexas de forma integrada e multidisciplinar. Os projetos de sinergia devem permitir avanços substanciais nas fronteiras do conhecimento, com elevado impacto numa escala global.

Nesta edição, o Conselho Europeu de Investigação recebeu 712 candidaturas, o que representa um aumento de 30 por cento em comparação com as 548 candidaturas submetidas no ano passado, e um aumento ainda mais significativo de 80 por cento em relação à edição de 2023, que recebeu 395 propostas. Este ano o Conselho Europeu decidiu atribuir 66 bolsas e um total de 684 milhões de euros.

Sobre Elsa Logarinho

Licenciada em Bioquímica e Doutorada em Ciências Biomédicas pela Universidade do Porto, Elsa Logarinho é atualmente Investigadora Principal e líder do grupo “Envelhecimento e Aneuploidia” do i3S, dedicado à investigação de mecanismos de instabilidade genómica que contribuem para a senescência celular e patologias do envelhecimento. O seu grupo aplica abordagens interdisciplinares e terapêuticas em modelos celulares humanos e em modelos animais de envelhecimento natural e prematuro (síndrome de Down e progeria).

A originalidade do seu trabalho tem sido reconhecida internacionalmente, tal como demonstrado pelo prémio internacional na área de longevidade – Maximom Longevity Prize 2022, e pela atribuição de bolsas competitivas da Fundação para a Investigação da Progeria (Progeria Research Foundation, US) e Fundação Jérôme Lejeune (FR). Publicações selecionadas, de um total de 20 nos últimos cinco anos, incluem as prestigiadas revistas Nature Aging, Nature Communications, Nature Cell Biology e Embo Reports. O seu trabalho foi também reconhecido com os prémios nacionais Pfizer 2011/Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa e SPGH 2013/Sociedade Portuguesa de Genética Humana.

Elsa Logarinho concluiu a supervisão de 28 cientistas e tem contribuído ativamente para a promoção de literacia científica sobre o envelhecimento junto do público em geral.